ARTIGO: Os inimigos invisíveis que abalam o mundo*

Por Sérgio Manzione*
26/03/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Estamos vivenciando uma rotina diferente em todos os aspectos. Nesses momentos de crise, é triste ver as pessoas, sem se preocupar se vai sobrar algo para o próximo, esvaziarem supermercados como se vivêssemos uma crise de abastecimento de gêneros de primeira necessidade ou um conflito armado. São atitudes impensadas e insensatas decorrentes do temor e do pânico que se instaura e é alimentado por parte do noticiário sensacionalista. O ideal é se afastar de telejornais que apresentam a evolução da Covid-19 como se fosse uma apuração de eleição, com quadros e números de casos e mortes. 

Os números absolutos causam comoção porque podemos ser os próximos a fazer parte das estatísticas ruins e alimentar gráficos de pânico. No entanto, os números relativos mostram que a letalidade do vírus de 1,4% é menor do que outros similares, que andam à solta e que nunca movimentaram o mundo todo. É improvável que morram milhões de pessoas como foi com a gripe espanhola em 1918, até porque nunca tivemos um avanço científico e tecnológico como nos dias atuais. Ebola, SARS e outros vírus são muito mais devastadores, assim como outras doenças como a dengue, que de 2018 para 2019 teve um aumento em torno de 500%, com 1,5 milhão de casos registrados e 782 mortes, isso sem contabilizar os milhares casos de zika, chikungunya e febre amarela. 

Em 2019, a gripe matou no país, pelo menos, 1.109 pessoas com SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) por influenza.  As hepatites virais B e C atingiram, em 2017, 325 milhões de pessoas em todo o mundo e levam 1,34 milhão a óbito anualmente. A tuberculose (causada por bactéria, mas transmitida igual à uma gripe) foi contraída, em 2018, por 10 milhões de pessoas no mundo, sendo que 1,5 milhão de pessoas morreram.

Em 2019, a gripe suína matou 789 no Brasil. Em nenhuma dessas epidemias se viu o pânico instalado hoje e uma comoção social planetária para combatê-las, pois, ao pensar que temos uma solução, concluímos, equivocadamente, que a ameaça desaparece. Contribui, ainda, que essas doenças muitas vezes estão restritas a lugares distantes dos formadores de opinião e dos ricos e poderosos que, no caso da Covid-19, se veem ameaçados. 

Além disso, como o epicentro da doença foi a China, a preocupação com a economia global foi abalada e fez o hemisfério norte se mexer, mas deveria se mexer antes, pois muitos dos problemas de doenças contagiosas podem ser minimizados e até eliminados com investimentos maciços em saneamento básico, coleta de lixo e educação. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 70% das pessoas no mundo vivem sem saneamento básico adequado. 

Lidar com a Covid-19 é algo sério, mas não apocalíptico. É preciso seguir as orientações das autoridades sanitárias, mas não deixar o medo desproporcional vencer a razão. Devemos estar atentos para não cair na armadilha do "efeito manada", onde se faz o que a maioria está fazendo simplesmente porque alguns imaginam que tem gente que sabe de coisas que os outros ainda não sabem.  Vamos com calma. 

A propagação da Covid-19, ao que parece, é muito mais rápida do que de outros vírus, mas tomando todos os cuidados de higiene e prevenção, amplamente divulgados, a chance de contaminação é bastante reduzida. A grande preocupação é com as pessoas acima de 60 anos, diabéticos e/ou que tenham problemas cardiovasculares e respiratórios crônicos. Isso justifica o isolamento social dos adultos saudáveis e das crianças para não levar o vírus para quem está no grupo de risco.

Por trás da frieza dos números existem seres humanos e que, independentemente de classe social, idade, cor ou seja lá o que for, merecem respeito e cuidados não só neste momento, mas sempre.  Esta não é a primeira pandemia, não será a última e que as lições nos preparem para a próxima. Agora é o momento de ficar em casa e (re)aprender a lidar com os familiares. Aprender a entender a si mesmo e ao outro. Aprender a se colocar no lugar do outro e entender como ele pensa e vê o mundo (a isso chamamos de empatia). Aprender que não somos seres isolados e que algo que afeta a um, afeta a todos. Aprender que, através do amor ao próximo e da solidariedade, é possível vencer os desafios com muito mais facilidade. Aprender que se deve dar valor à família e aos amigos e à troca afetiva que isso representa. 

É preciso aprender a ver o mundo com essa mesma simplicidade que agora entendemos que o trabalho não é a coisa mais importante de todas, mas o ser humano. Vamos torcer para que a semente do amor ao próximo cresça e se espalhe pelo mundo derrotando o egoísmo, o orgulho, o materialismo e a fome de poder que, infelizmente, são mais contagiantes e letais do que qualquer vírus.

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e semanalmente fala sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione