ARTIGO: Verão e serão vistos*

Por Sergio Manzione*
06/01/2020 às 10h00
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Foto: Divulgação
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Com o verão, chega a grande oportunidade de mostrar para todo mundo muitas vidas felizes e corpos irretocáveis. Mostrar e, é claro, olhar as vidas e os corpos alheios também. A busca por um corpo saudável é uma responsabilidade de cada um, mas perseguir uma silhueta “ideal” de maneira obsessiva ou à base de anfetaminas e hormônios é algo que compromete a saúde física e psíquica. O culto excessivo ao corpo coloca-o como valor mais importante do que as características inatas e os conteúdos afetivo e subjetivo de cada um.

De outro lado, muitos vivem para ver e nem sempre serem vistos. Ver tudo para saber todo o possível e minimizar as ameaças à sua aparência já aceita, mas se mostrar pouco para não ter sua intimidade e seus “defeitos" revelados. Nesses casos, as redes sociais podem ser úteis, pois é possível seguir uma celebridade sem ser seguido e julgado por ela.

Recentemente, em uma novela, havia uma personagem “influenciadora digital” e a Globo criou um perfil para ela e obteve mais de 2,8 milhões de seguidores. As pessoas passaram a seguir um perfil de alguém fictício pela necessidade de referência, que indica qual o padrão a ser seguido pelo indivíduo para ser aceito pelos grupos sociais. Busca-se, a todo momento, ser igual ao ícone idealizado da perfeição (naquele momento) e mostrar isso nas redes sociais.

As novelas, telejornais e campanhas publicitárias, entre outras coisas, têm um importante papel na formação de padrões de comportamentos e ditam qual o modelo de pessoa ideal física e moralmente, principalmente para as mulheres. As diversas mídias mostram e cultuam corpos femininos perfeitos para os padrões atuais, mas não há, de fato, uma exigência inerente de que as pessoas comuns tenham de ser assim também. Essa exigência vem de dentro de cada um, que acredita ser possível ser mais aceito e desejado pelos outros se tiver um corpo no tal padrão. Não há ninguém lhe cobrando a não ser você mesmo (a), portanto, liberte-se.

Para muita gente, voyeurismo e exibicionismo eram coisas separadas, mas hoje vivem juntas, pois os que veem também querem mostrar. No verão, em particular, as redes sociais ficam entupidas de fotos de pessoas curtindo férias alegres em praias paradisíacas e com muita gente adequada aos padrões vigentes. O objetivo, para muitos, é saber como as redes sociais reagem a cada foto postada, feita para mostrar ao mundo como se está saudável com um “corpão” de academia, em um lugar invejável e, ainda, com dinheiro para bancar as despesas.

Aguardam ansiosamente pelo julgamento instantâneo, que é revelado através de comentários e “likes”, essenciais para medir se todo esforço despendido está valendo a pena. Essa necessidade de aceitação pode levar a casos extremos e a utilização de artifícios para ficar bem na foto e nos grupos sociais. Veja este caso real: uma mulher se hospeda apenas um dia num resort e leva consigo dez biquínis. Ela veste o primeiro e vai para a piscina tirar fotos. Depois coloca o segundo, tira novas fotos e assim por diante até completar seu estoque de biquinis. Ela agora tem várias fotos com biquinis diferentes e pode postar uma por dia, dando a impressão de que ficou hospedada por uma semana inteira ou postar algumas fotos a cada três meses e dar a impressão de que é uma hóspede habitual.

Casos mais comuns são os de produzir um ambiente para se parecer mais inteligente, descolado ou refinado, colocando um fundo com livros ou, então, segurar uma taça de vinho apenas para aquela foto e passar para a rede a imagem de sofisticação ou coisa assim. É preciso estar atento para não se tornar escravo da opinião alheia, resultado da insegurança quanto à própria capacidade de dar e receber afeto, que pode levar ao egoísmo extremo de querer tudo e de todos apenas para se sentir seguro para agradar a opinião alheia. 

Marshall McLuhan, filósofo e teórico da comunicação, criou nos anos 1960 o termo “aldeia global” para dizer que no futuro não haveria distância impossível para a comunicação entre as pessoas. O futuro chegou e trouxe as redes sociais, que influenciam fortemente os comportamentos humanos e, como McLuhan propôs em 1967, são “extensões” dos seres humanos (seus sentidos, mentes e corpos), o que funde o indivíduo e redes sociais num mesmo emaranhado de sentimentos antagônicos. 

Enquanto o indivíduo não se libertar da necessidade de aceitação e da opinião dos outros, viverá uma vida carente de afeto, mas com ansiedade e angústia, que podem contribuir para a perda da capacidade de perceber as demandas de seus relacionamentos sociais de todos os tipos.

Estejamos sempre alertas para saber diferenciar virtual, imaginário e irreal da realidade nua e crua, pois só assim é possível ressignificar conceitos, evoluir e viver de forma mais leve, despreocupada e feliz, onde ser humano é mais importante do que apenas parecer humano.

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e semanalmente fala sobre comportamento humano e psicologia na Rádio Câmara e no Portal Muita Informação! @psicomanzione